Chico de Hoje

Como é possível que as horas passem devagar quando não se espera por nada.
Minha impaciência aumenta a cada milenar segundo, na ânsia de algo que talvez não exista.
Me levanto, ando, sento, durmo, como, e nada.
Olho para o relógio, mais vezes que os minutos que ele conta:
dez para as cinco, dez para as cinco, dez para as cinco e enfim nove para as cinco!
Estou lotada daquele sentimento: ''a hora da festa que não chega'' é quando olho para mim e noto que não há festa, não há nada.
Como pode, sentar-se a espera de algo, ansiosa, brigar com o tempo, que não passa, ou passa, mas nada ocorre.
é como se algo grande estivesse por vir...

Pergunto a mim mesma:

O que será que me dá?

Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar
E todos os suores me vêm encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
o que não tem juízo...

(Chico Buarque - O que será a flor da pele)